Há muito tempo, no campo do Madureira, na Rua Conselheiro Galvão, lá, mesmo, no movimentado subúrbio da Central, o Flamengo foi jogar contra o time da casa, o Madureira Esporte Clube. As arquibancadas estavam lotadas. O estádio recebia um público espetacular. Casa cheia! Como diria, hoje, o Garotinho, José Carlos Araújo. Eu tinha uns quinze ou dezesseis anos e fui assistir a esse jogo, não por ser flamenguista, pois sou tricolor de coração desde o meu nascimento à fórceps, já relutando para não sair de qualquer forma para o mundo, sem antes saber direitinho como seria esse negócio aqui, pelo lado de fora. Agora, pelo lado de dentro do estádio do Madureira, naquele dia de jogo importantíssimo pelo Campeonato Carioca, não tinha mais lugar para ninguém. Fui ao jogo com um colega de colégio, torcedor entusiasmadíssimo do rubro-negro da Gávea. O Nélson levou toda a família de sua namorada para o campo do Madureira. Os avós dela e mais um casal de tios postiços com quem vivia na mesma rua onde eu morava. Era uma família à moda antiga, cheia de rapapés e, ainda por cima, é bom lembrar que estávamos nos anos cinqüenta e a sociedade dessa época era muito recatada e contida, não se misturando com o povão, muito menos com a turba desbocada da famigerada torcida flamenguista. O jogo foi às três horas de uma tarde de domingo, quente como o inferno! Logo no início da partida, o Madureira partiu pra cima do Flamengo e levava um perigo danado ao gol de Garcia. O principal jogador ofensivo do tricolor suburbano era o ponta-direita Pedro Bala. O cara estava endiabrado. Corria muito. Era mesmo uma bala humana. Mas a torcida do Flamengo não perdoava a sua atuação de verdadeiro demolidor de uma das mais sólidas defesas do campeonato. Cada vez que ele passava pelas arquibancadas lotadas, voando com a bola bem perto da linha lateral do campo, a turba xingava e o palavreado agressivo comia solto! Era Pedro, filho disso, filho daquilo, um horror! A família de meu amigo metia a cabeça entre as pernas e corava de vergonha. Mas Pedro Bala tanto fez e aconteceu que, driblando um beque para dentro, mandou uma violenta bomba de pé esquerdo, tão forte que passou pelo goleiro Garcia e bateu lá dentro do gol, naquele cano torcido que segura as redes e voltou para dentro do campo, caindo na pequena área, bem no peito do zagueiro Pavão, que aparou a bola com o peito, deixou-a cair na coxa e deu um bicão pra frente, mandando-a para além do meio do campo. Pedro Bala e todos os atacantes do Madureira comemoravam o fantástico gol, mas o juiz não o considerou, mandando o jogo seguir e quase o Flamengo abriu a contagem, naquela confusão toda. Bem, o jogo foi paralisado com a entrada em campo da diretoria do Madureira e um tumulto generalizado tomou conta da partida, já interrompida pelo juiz. Pedro Bala discutindo com Pavão, depois de um empurra-empurra danado, passou-lhe a mão no traseiro, como fez Carlos Alberto do Botafogo, na semana passado, apalpando as regiões glúteas do zagueiro do Grêmio, lembram? Naquele momento, Pavão estourou sua mão aberta na cara de um pobre coitado que nada tinha com o caso e o tempo fechou mesmo em Conselheiro Galvão. A família de meu amigo, sua namorada, todos presenciaram aquela atitude indecente do jogador do Madureira e ficaram abobalhados. Todos riam, gritavam, xingavam, incitavam os jogadores, pediam sangue, queriam pegar o Pedro Bala para devorá-lo, esquartejá-lo, comê-lo cru, mastigando ossinho por ossinho. Uma indignação total misturada com farra, bagunça, batucada, cantorias e xingações. Antigamente era assim que se respondia a uma atitude como essa, alheia ao espírito esportivo. E hoje? Depois de um jogador "passar a mão" no outro ou apalpá-lo nas regiões baixas, sai distribuindo beijinhos na cara de todo mundo, como se nada de muito esquisito tivesse acontecido. Decididamente sou do tempo em que homem que é homem não tinha atitudes como essas, principalmente em campo de futebol. Uma vergonha!
ATÉ A PRÓXIMA.
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