Estou postando nesse BLOG mais dedicado aos temas dos esportes de massa, basicamente o futebol, porque no BLOG DO PROFESSOR estão sendo postados os textos dedicados à memória do Professor Leodegário A. de Azevedo Filho, falecido no último domingo, dia 30 de janeiro de 2011, no Rio de Janeiro.
Assim, esta RECENSÃO sobre o livro de Maurício Murad, AS FOGOSAS AVENTURAS DE J. FERREIRA, será publicada também, oportunamaente no BLOG DO PROFESSOR .
RECENSÃO
Editora 7 Letras, RJ, 2008.128 páginas.
AS FOGOSAS AVENTURAS DE J. FERREIRA é um romance de Maurício Murad que pretende ser uma fábula, com resquícios literários machadianos e que fala da vida, do amor e dos percalços por que passa um casal da classe média de nossos dias. Uma doença degenerativa, o Mal de Alzheimer, ceifa a vida do personagem central. A narrativa se torna densa. Ceifa a vida, mas não o prazer do texto, como diria Roland Barthes. O Autor mistura suas experiências de vida com um imaginário relacionamento familiar. Nos seus dez capítulos, o livro nos apresenta a progressão de um envolvimento bem articulado do narrador com o personagem central, João Ferreira, tratado referencialmente como J. Ferreira. Cada capítulo recebe um nome, significativamente retirado da história do texto desenvolvido.
O livro apresenta uma DEDICATÓRIA poética, referindo-se a três personagens chaves, onde a poesia já contracena com as duras vicissitudes da vida, prenúncio da morte, suavizada por uma narrativa eminentemente conotativa, escamoteando o triste desfecho da história. Assim, a partir desse primeiro contato com o romance, a metáfora do riso surgirá principalmente no primeiro capítulo, contrastando sempre, por antítese, com a tristeza da morte. E o primeiro capítulo funciona como uma introdução, apresentando o personagem Jota, através do discurso indireto livre e uma fala direta propositadamente dirigida ao leitor, que se excita e por isso se seduz com um discurso que lembra a técnica machadiana, fazendo do leitor seu cúmplice e parceiro.
Os recursos estilísticos utilizados por Maurício Murad são inúmeros e variam da metáfora ao estranhamento. Das sinestesias às hipálages, as mais variadas.
“Olhei, meio porque não estava fazendo nada mesmo, e porque fui induzido a olhar para a frase que insistente serpenteava o tempo e ondulava o espaço”.
Com erudição, trabalha com maestria a grande característica do protagonista Jota, a sua simpatia e o seu riso, para quem, talvez, a vida poderia ser vista como uma grande comédia, rindo com todo o corpo, “menos com a boca”, região do corpo humano em que se especializou profissionalmente, como dentista. E no bloco praticamente da apresentação do personagem central, com uma sutil e bem colocada ironia, percorre inúmeras veredas do conhecimento, como na apresentação do bordão criado por J.Ferreira, o calor de bode. E as citações latinas surgem sem agredir o leitor, como a clássica sentença romana, “asinus ad liram”. De Santeui recolhe a máxima latina "ridendo mores castigat". E continua como crítico do cotidiano a colocar o dedo sobre as mazelas da vida social:
“Crime pior do que assaltar um banco é fundar um banco”.
A leitura da vida se faz pelas palavras e seus significados primeiros.
“Apesar da idade avançada e o jeito lento, tinha um aperto de mão cheio de personalidade e presença, dava pra sentir e eu senti o seu vigor. Fogoso, claro, fogoso! Tudo nele era fogoso. Todas as aventuras dele eram fogosas e fogosas não no sentido comum do termo. Marketing apelativo de um erotismo barato e diário, não, mas fogosas como fogo e fogo como energia, como vida, com alma, desse jeito mesmo como entendiam os gregos e sua mitológica mitologia”.
Serve-se de termos e frases latinas demonstrando erudição sem a pompa discursiva do academicismo, privilegiando a diacronia sobre a sincronia vocabular. E isso ocorre sempre que pretende teorizar.
Maurício Murad trabalha com o intertexto e sabe dosá-lo, sem ser ostensivo, colocando o saber no lugar certo, onde ele deve ser colocado, compondo o enredo, com exatidão, sem pernosticidade.
“Ai, que saudades eu tenho, da aurora de minha vida, da minha infância querida, dos tempos que não voltam mais”.
O poético e a poesia em As fogosas aventuras de J. Ferreira surgem, muitas vezes, pela tentativa de uma teorização crítico-literária (“a poesia não é de quem a faz, mas de quem dela necessita”) e por alternância sintagmática em quiasma (“...e simultaneamente chorou e sorriu, sorriu e chorou”). Essa combinação de artifícios estéticos e lingüísticos imprime ao texto de Maurício Murad um estilo próprio, colocando seu discurso numa posição de significativo destaque na literatura brasileira atual. E com essa técnica narrativa apurada, o romance flui através do discurso indireto livre, o que posiciona o leitor no tempo subjetivo da narrativa. Nesse tempo proposto pelo autor, quase sempre, os diálogos surgem sem possibilidade de um feed-back, mas têm poder de captar a nossa atenção, evitando a dispersão. Diálogo proposto, monólogo exposto.
“Ao retornar já tinha um plano completo para mim, que nunca revelou... para mim. Soube tempos depois, certa feita, num desses encontros em que caminhávamos pelo calçadão, soube por Jota que estava bravo com Analu, porque ela agora deu para inventar que eu estou esquecendo as mínimas coisas e não é verdade, eu lembro de muitas e muitas coisas, mesmo quando antigas”.
A narrativa do romance oscila sempre entre o autor onisciente e seu contraponto, J. Ferreira. É uma conversa com o leitor, para tentar chegar à degeneração física da personagem, praticamente biografada, no último capítulo, mas sempre com atenuantes minimizadoras da terrível realidade, o Mal de Alzheimer. Os textos se aproximam de um relatório amenizados por passagens poéticas (“Assim aspiro, assim espero”).
“O caminho que se avizinhava era tortuoso e imprescritível. Nesse tipo de morada, as ruínas humanas eram vistas a olho nu. O nosso Jota havia chegado a um ponto onde os limites da existência se apresentavam duros e cruéis, acotovelando-se impiedosamente ao redor da pessoa. Eu era sabedor que essas baixas camadas da vida lá estaria pra nos receber”.
Finalmente, a personagem J. Ferreira fala pela narrativa onisciente do autor e uma das atenuantes acima referidas pode se encontrar no próprio título do último capítulo: PRIMEIRO DE ABRIL É UMA BOA DATA. Lá, até as metáforas, indicadoras do predomínio da conotação sobre a denotação são mais fortes, pesadas, mas aliviam a tensão que domina o texto final, impregnado pelo intertexto machadiano, onde o poético dilui o trágico.
ATÉ A PRÓXIMA