Quando eu dava aula de Língua Portuguesa no antigo Curso Ginasial e Científico, mais tarde Primeiro e Segundo Grau, estudavam-se muitas particularidades ocorridas em nosso idioma, tanto nos estudos diacrônicos como nos estudos sincrônicos. Isso era difícil para os alunos? Pode ser que sim, pois muitos professores obrigavam seus alunos a decorar os famigerados metaplasmos. Quem estudou naquela época se lembra. Mas sempre optamos por apresentar os fatos históricos respaldados pelos acontecimentos corriqueiros do dia-a-dia, para mostrar que o que ocorreu em nosso idioma, num passado distante, continua, muitas vezes, ocorrendo e, assim, o aluno percebia que o presente repete a história e as coisas ficavam bem mais fáceis. A mesma metodologia eu aplicava ao ensino do Latim e aproveitava, sempre que possível, para mostrar que a Língua Portuguesa atual é mutatis mutantis, aquele latim vulgar, estropiado, modificado e mais novo, falado pelo povo, principalmente nas regiões entre o Douro e o Minho.
Esta nostálgica introdução serve para mostrar, mais uma vez, agora sem a preocupação docente de exposição do tema, sua fixação e posterior verificação de uma possível aprendizagem, que alguns fenômenos morfofonêmicos, ocorridos lá pelos séculos II e III, na Tarraconense, Bética ou Lusitânia, regiões da Península Ibérica ocupadas pelos soldados de Roma, estão ainda se reproduzindo em pleno século XXI, no falar do povo humilde brasileiro. Um exemplo disso foi o que ouvi hoje numa entrevista de um jogador do São Paulo Futebol Clube, após a derrota de 1 x 0 para o Clube Atlético Mineiro, no Estádio do Morumbi. O repórter do Canal a Cabo, SPORTV perguntou ao jogador são-paulino se o campeonato estaria perdido. Richarlyson, meio-campista do tricolor paulista, disse: “Não podemos perder em casa num campeonato tão COMPETIVO como esse”. Isso mesmo, COMPETIVO em vez de COMPETITIVO. Sabem como é o nome desse fenômeno morfofonêmico? Chama-se HAPLOLOGIA. Isso ocorre quando duas sílabas de uma palavra estão contíguas, na composição ou na derivação. Ocorre que uma delas é suprimida. Vejam o que aconteceu, há muito tempo atrás. SEMIMÍNIMA, ficou SEMÍNIMA; TRAGICOCOMÉDIA, ficou TRAGICOMÉDIA; CANDIDINHA, ficou CANDINHA; ESPLENDIDÍSSIMA, ficou ESPLENDÍSSIMA. Esses são alguns exemplos entre muitos que poderíamos apontar. Mas já ia me esquecendo. A haplologia pode ser, ainda, sintática, quando a parte eliminada é uma palavra repetida numa frase. Pronunciem Rua Visconde de Abaeté. A preposição DE é eliminada. Mostrar por que isso tudo aconteceu e continua acontecendo era o meu pulo-do-gato, para que a matéria não se tornasse enfadonha. Eu tentava buscar sempre uma explicação e induzia a turma a encontrar outras, num processo motivador conhecido como “DESCOBRINDO A PÓLVORA”. Nessas HAPLOLOGIAS acima se percebe a dificuldade na pronúncia dos vocábulos apontados como exemplos. Da mesma forma, o jogador do São Paulo, amolado com a derrota, vendo o título escapar em casa, não teria condições de se desempenhar lingüisticamente, de acordo com a norma culta da língua. Falando rápido, COMPETITIVO funciona mesmo como um trava-língua. “É dose, meo...”
ATÉ A PRÓXIMA
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